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Contratos imobiliários: os índices de correção monetária (IGP-M e IPCA) na pandemia, e as decisões judiciais atuais

Dinheiro representando o tema correção monetária na pandemia

1. CONCEITO GENÉRICO E BASES DE MEDIÇÃO DO ÍNDICE DE PREÇOS

Eis um assunto que tem chamado a atenção do mercado imobiliário (e como um todo), impulsionado pela pandemia causada pelo coronavírus: os índices de correção monetária incidentes na atualização dos contratos.

Em termos gerais, a “correção ou atualização monetária” visa compensar as perdas decorrentes do aumento no nível de preços na economia em determinado período. Em outras palavras, é um indicador de preços auferidos mensalmente para medir a inflação.

As decisões reiteradas que formam a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), trazem entendimento no sentido de que a correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação, constituindo fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor”. (1)

A correção monetária, portanto, “não” é considerada um “encargo” (acréscimo, como uma multa ou juros moratórios) incidente no valor da parcela paga em atraso, e não tem a função dos juros compensatórios (que visam remunerar um valor emprestado, por exemplo), mas meramente “recompor” o poder aquisitivo corroído pela inflação no tempo.

Existem diversos índices. Os mais comuns são o IGP-M (índice Geral de Preço do Mercado), INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), e o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), entre outros. 

Dois desses índices são muito utilizados nos contratos imobiliários. O IGP-M, disponibilizado pela FGV – Fundação Getúlio Vargas, e o IPCA, disponibilizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O IGP-M/FGV é composto pela ponderação de 3 outros índices: O IPA-M, que compõe 60%, o IPC 30% e o INCC 10% do IGP-M.

Esses índices que compõem o IGP-M consideram os seguintes setores mercadológicos de medição de preços: “a) os 60% representados pelo IPA-M equivalem ao valor adicionado pela produção de bens agropecuários e industriais, nas transações comerciais em nível de produtor; b) os 30% de participação do IPC-M equivalem ao valor adicionado pelo setor varejista e pelos serviços destinados ao consumo das famílias; c) quanto aos 10% complementares, representados pelo INCC-M, equivalem ao valor adicionado pela indústria da construção civil.” (2)

O índice IPA-M (que compõe a maior parte) costuma ser o maior responsável pelas oscilações do IGP-M, pois está atrelado à variação cambial (principalmente a valorização do real frente ao dólar e commodities agrícolas e industriais importantes), entre outros fatores mercadológicos voláteis.

O IPCA/IBGE, por sua vez, “tem por objetivo medir a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias” e “tem como unidade de coleta estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, concessionária de serviços públicos e internet”. “Atualmente, a população-objetivo do IPCA abrange as famílias com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos.” (3)

Como se denota, cada índice utiliza variantes mercadológicas como base de medição para apurar o seu valor mensal (que pode subir ou baixar percentualmente, conforme o período de medição e a situação do respectivo mercado).

Entre os diferentes métodos, estão os dias em que os índices são apurados, os produtos que incluem “no cesto”, o peso deles na composição geral e a faixa de população estudada.

2. APLICAÇÃO EM CONTRATOS IMOBILIÁRIOS E DECISÕES JUDICIAIS ATUAIS (CONSIDERANDO A PANDEMIA)

O IGP-M/FGV, entre outros índices praticados no setor imobiliário, por mera praxe (pois não há previsão legal específica) é bastante utilizado nos contratos de locação. O seu emprego nesse caso visa corrigir o valor do aluguel para o ano seguinte, fazendo uma média do percentual apurado no ano anterior. Do mesmo modo é previsto em contratos de compra e venda de imóveis, inclusive financiamentos bancários (que mensalmente acresce no valor de cada parcela, o percentual do índice captado na medição do mês imediatamente anterior).

Esse índice, na data atual, acumula alta de 16,75% no ano de 2021 e de 31,12% em 12 meses, até agosto de 2021 (4). Isso significa que uma parcela de R$ 1.000,00 em 08/2020, corrigida com IGP-M até 08/2021, estaria em R$ 1.347,13, como nos mostra a calculadora do Banco Central na internet (5).

O IPCA/IBGE, a título de comparação, pois também utilizado no setor imobiliário, no ano de 2021 teve alta de 5,67%. Nos últimos 12 meses, 9,68%, considerando agosto de 2021 (6).

Então, na mesma hipótese acima, a parcela de R$ 1.000,00 em 08/2020, corrigida com IPCA até 08/2021, estaria em R$ 1.099,43 (7).

Em razão dessa alta elevação do IGP-M, sobretudo pela disparidade de preços influenciados pelo Dólar americano (8), os devedores têm procurado renegociar as parcelas e/ou dívidas, ainda que por certo período, sobretudo àqueles comprovadamente atingidos pelos efeitos da pandemia pelo coronavírus.

E quando não ocorre a composição (acordo entre as partes contratantes), cabe ao judiciário definir o assunto, de acordo com a legislação aplicável.

Em pesquisa no site do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), já encontra-se alguns precedentes tratando do assunto.

Nesse passo, menciono uma decisão extraída de um agravo de instrumento (que não se trata de uma decisão definitiva, embora indicativa de entendimento – processo nº 1002919-98.2021.8.26.0198, julgado 30ª Câmara de Direito Privado do TJSP), permitindo a substituição do índice IGP-M pelo índice IPCA.

O caso trata de contrato de financiamento imobiliário, e o fundamento utilizado na decisão é o artigo 478 do Código Civil (teoria da imprevisão), anotando-se que a sua aplicável se dá com base nos ‘princípios da conservação dos contratos e do equilíbrio econômico’, e que “possível alterar ainda que temporariamente as obrigações das partes.”

Com relação ao índice de reajuste a ser aplicado, entendeu-se que “mormente neste período excepcional, ao que parece, não se mostra adequado que o fator de reajuste mensal fique atrelado à variação do dólar, que atualmente, está totalmente fora de parâmetro, ou seja, aumentando muito, por conta da crise geral e mundial que a Pandemia está causando na economia. Diante desse cenário é razoável, em prol do princípio do equilíbrio contratual e da viabilidade de manutenção do contrato, considerando-se, inclusive, a função social dos contratos – que abarcam o giro da economia, a manutenção dos empregos e o cumprimento dos contratos para segurança jurídica dos mesmos – que se adeque a obrigação contratual à realidade atual e excepcional” (…).

Com entendimento similar, podem ser citados outros dois precedentes: agravo de instrumento nº 2093874-73.2021.8.26.0000, da 31ª Câmara de Direito Privado do TJSP; e o processo nº 1000855-38.2021.8.26.0450, da 30ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que julgou uma apelação (nesse caso uma decisão definita, mas ainda passível de recurso ao STJ).

De outro lado, abrindo divergência, encontra-se o agravo de instrumento nº 2140196-54.2021.8.26.0000, julgado pela 15ª Câmara de Direito Privado do TJSP.

O caso trata de ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel ajuizada contra um Banco, e o argumento utilizado é o mesmo (desequilíbrio das prestações e a teoria da imprevisão).

Nesse caso, porém, a substituição do índice (IGP-M pelo IPCA) “não” foi concedida para a tutela provisória, valendo a transcrição dos fundamentos, a seguir:

“Pesem as alegações deduzidas no inconformismo, não se vislumbra, ao menos por ora, probabilidade do direito da autora, nem, tampouco, risco de lesão grave ou de difícil reparação, especialmente por que as cláusulas foram livremente pactuadas, e a alteração do percentual do IGP-M é fato previsível e esperado. 

Ademais, não houve demonstração de que a substituição dos índices pretendida seja viável; nem, tampouco, por que o índice eleito (IGP-M) no contrato estaria equivocado. 

A propósito, mister consignar que a previsão do indexador IGP-M em contratos dessa natureza é corriqueira, além não se revelar ofensiva à lei.”

Nesse julgamento foi citado outro precedente do TJSP no mesmo sentido, também em sede de decisão provisória, não permitindo a substituição do índice (agravo de instrumento nº 2070130-49.2021.8.26.0000, da 22ª Câmara de Direito Privado do TJSP).

Em relação ao reajuste do aluguel, cita-se uma decisão concedendo a alteração do índice monetário (decisão do TJSP, em sede de agravo de instrumento, processo nº 2298701-80.2020.8.26.0000). Houve decisão liminar para substituir o IGP-M pelo IPCA na correção do aluguel mensal em contrato de locação. O fundamento é similar: motivos imprevisíveis causados pela pandemia, e o dispositivo legal aplicado foi o art. 317 do Código Civil.

Como se pode notar, as decisões ainda são divergentes, não havendo segurança jurídica para afirmar qual será a jurisprudência do Tribunal Paulista, cuja definição da questão, ao final, possivelmente caberá ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que tem a missão de uniformizar o entendimento da legislação federal aplicável no país.

3. CONCLUSÃO

Analisando a situação como um todo, a primeira pergunta que eclode é qual seria o melhor índice aplicável para determinado contrato ou negócio imobiliário realizado, no intuito de preservar o equilíbrio entre as partes, o poder aquisitivo previsto no contrato, assim como os direitos e deveres das relações negociais – a propósito, não somente em razão da pandemia causada pelo coronavírus, mas também diante das oscilações diuturnas de determinados setores do mercado, que atingem os diversos contratos imobiliários.

Na linha dessa questão, surge a ideia de se fazer um índice que “converse” melhor com o setor imobiliário, que seja mais específico. A questão tem sido bastante debatida entre os estudiosos do assunto. Já existem debates e diversos textos, mas ainda de modo embrionário. Certamente numerados fatores, micros e macros, influenciam na melhor resposta, se mostrando sugestivo maior aprofundamento nessa questão.

A esse propósito, o tema foi matéria de capa da revista do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário), qual seja, “Projeto de lei que determina reajustes por IPCA” (9).

A revista traz o debate sobre o Projeto de Lei 1.026/21 e as consequências das alterações contratuais. O Projeto de Lei é de autoria do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos/SP), e teve o regime de urgência aprovado no dia 07 de abril de 2021.

Pela proposta do PL, o reajuste dos contratos de aluguel – residenciais ou comerciais – não poderá superar a inflação oficial do País, medida pelo IPCA.

A revista traz diversos pontos de vista, inclusive críticas ao PL, que também merecem maior aprofundamento no debate.    

Em relação às ações judiciais, ainda é cedo para indicar uma jurisprudência dominante considerando o cenário atual, mas, como visto, algumas decisões substituem o índice de correção monetária que disparou nesse período pandêmico, sobretudo vinculado a fatores externos (caso do IGP-M), por outros índices que melhor refletem a situação inflacionária no país, como o IPCA.

O pretendido é reequilibrar as bases do negócio e evitar o seu desfazimento em razão de circunstâncias excepcionais causadas pela pandemia, como a impossibilidade do pagamento das prestações, perda econômica imprevisível, além de consequências outras, como um despejo, no caso da locação.

Entretanto, de se ressaltar que as decisões judiciais que interferem no acordo de vontade estabelecido no contrato (a denominada pacta sunt servanda, no sentido de que os pactos devem ser cumpridos), devem ser sempre excepcionais, estritamente legais e atentas às consequências jurídico-econômicas, pois, sobretudo em assuntos de grande escala, que atinge muitas pessoas, produzem efeitos em cadeia, podendo atingir o que não se pretendeu.

Isto porque, as relações jurídicas, inclusive na área de investimentos, necessitam de “previsibilidade”, fato este que em termos de legislação e decisões judiciais, requer “segurança jurídica”.

Não se mostra crível o Estado, na função jurisdicional (através do juiz), ficar colocando o “dedo” nas relações negociais sem critérios previsíveis. É dizer, não se pode mudar as regras com o jogo correndo, salvo estritas exceções legais, também previamente previstas.

Ao cabo, considerando, ainda, o intuito de evitar uma avalanche de ações judiciais e aumentar ainda mais o elevado número (e as consequências advindas disso, inclusive no “acesso” à justiça, à qualidade das decisões, à pacificação social, entre outros motivos), o acordo entre as partes, bem orientadas por profissionais da área imobiliária, normalmente se mostra o melhor caminho, importando que, conhecendo as possibilidades (direitos e deveres), todos estejam imbuídos do bom senso, da razoabilidade e proporcionalidade que cada caso precisa.

Vinhedo/SP, 10 de setembro de 2021.

Referências:

(1) STJ. REsp 1.454.139/RJ. T3. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Publicação 17/06/2014.

(2) https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-03/metodologia-igp-m-jul-2019.pdf acesso em 10/09/2021.

(3) https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9256-indice-nacional-de-precos-ao-consumidor-amplo.html?=&t=o-que-e acesso em 10/09/2021.

(4) https://portal.fgv.br/noticias/igpm-agosto-2021 acesso em 10/09/20021.

(5)https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores acesso em 10/09/20021.

(6) https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/31581-ipca-foi-de-0-87-em-agosto acesso em 10/09/2021.

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